quinta-feira, 28 de março de 2013


Biodiversidade (Valores)

A biodiversidade tem várias definições, uma das quais, veiculada pela docente e que já postei no meu primeiro comentário, biodiversidade (conceitos). Contudo, devido à sua importância, não quero deixar de referir a produzida no âmbito das Nações Unidas, na designada Convenção sobre a Diversidade Biológica, que teve lugar no Rio de Janeiro em 1992: “Diversidade biológica ou biodiversidade significa a variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo, inter alia, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte, compreendendo a diversidade dentro de cada espécie, entre as espécies e dos ecossistemas.” (N.U. 1992)

Nas últimas décadas viveu-se um desenvolvimento inigualável á escala planetária, que trouxe grandes benefícios às nossas vidas e à humanidade. Mas grande parte deste desenvolvimento esteve associada a uma diminuição na variedade e extensão da biodiversidade. Esta perda da diversidade, a nível de espécies e genes é preocupante, não apenas devido ao importante valor intrínseco da natureza mas também por resultar na diminuição nos serviços de ecossistemas. A Avaliação do Ecossistema do Milénio, iniciativa do Secretário-Geral das Nações Unidas, admitiu que estes serviços se encontram muito afetados, não só a nível europeu como a nível mundial, dizendo que o problema fulcral é o de estarmos a gastar o “capital natural da terra e a pôr em risco a capacidade dos ecossistemas para sustentar as gerações futuras. Ainda é possível inverter o caminho, mas agindo, promovendo grandes alterações a nível prático e de políticas. (CEE, 2006)

Os valores da biodiversidade estão bem patentes nos serviços de ecossistemas que podem definir-se como os benefícios que colhemos dos ecossistemas e que são fundamentais para a sobrevivência de toda e qualquer espécie de vida e para o bem-estar dos sistemas biótico. Quando falamos de ecossistemas referimo-nos, não apenas aos naturais ou seminaturais (florestas, zonas húmidas, ecossistemas dunares) mas também aos geridos mais ou menos pelo homem em seu benefício (áreas agrícolas, espaços florestais para produção). Os serviços dos ecossistemas podem dividir-se em três grupos:

Serviços de produção. São os que estão relacionados com a produção de bens de consumo com valor de mercado, como os produtos alimentares, água potável e fibras para o vestuário, materiais de construção e combustíveis.

Serviços de regulação ou proteção. São os que contribuem para a segurança e conforto que sentimos em cada território e que estão relacionados, por exemplo, como a prevenção de catástrofes e a minimização dos seus impactos, a prevenção de riscos, a polinização (tão importante para a criação de recursos alimentares), o controle de doenças e pragas, a regulação climática, etc.

Serviços de informação ou culturais. São serviços indiretos que se revelam nos nossos contactos com a natureza, incluindo, por exemplo, o lazer, a fruição, o recreio, as atividades turísticas (ecoturismo), as atividades académicas (aulas de campo, investigação).

O progresso recente em matéria de conhecimento dos mecanismos da biodiversidade, nomeadamente a valoração dos serviços dos ecossistemas, ainda não permitem definir com clareza o que são e o que valem em termos económicos e “assim ter uma perceção real do seu impacto na economia em geral e na vida da população mundial. (Bacelar-Nicolau, P. & Azeiteiro, 2010).

Aspetos importantes e nem sempre referidos é a relação entre biodiversidade e produtos farmacêuticos e a biopirataria. Por cada 150 medicamentos comercializados e receitados nos EUA, 118 são conseguidos com produtos com origem na natureza como plantas, fungos bactérias e animais. Nos países em desenvolvimento estima-se que 80% dos seus habitantes usem a medicina tradicional (que recorre exclusivamente a produtos naturais) para combater as suas necessidades básicas de saúde, enquanto 85% dos medicamentos produzidos pela medicina tradicional recorrem a extratos de plantas que ocorrem na natureza. No que respeita á biopirataria que afeta países como o Brasil, por exemplo, constituem hoje um flagelo que movimentam milhões de dólares e contribuem para criar problemas de vários tipos (económicos, socias e ambientais) (Cleber, J. R. Alho, 2012)

A importância da biodiversidade é estratégica para toda a humanidade, não apenas pelo seu valor patrimonial intrínseco mas ainda porque é determinante nos processos ecológicos de suporte no funcionamento do planeta e porque concorre para a construção de um “património cultural específico relacionado com o grau de literacia das populações e em última análise com o desenvolvimento e a competitividade territoriais.” (Bacelar-Nicolau, P. & Azeiteiro, 2010)

 

Referências Bibliográficas:

Bacelar-Nicolau, P. & Azeiteiro, Universidade Aberta (2010). Biodiversidade e serviços dos ecossistemas. (vídeo colocado na plataforma)

CEE (2006). Comunicação da Comissão. Travar a perda de biodiversidade até 2010-e mais além. Preservar os serviços ecossistémicos para o bem-estar humano.

Cleber, J. R. Alho, (2012). Importância da biodiversidade para a saúde humana. Estudos avançados 26 (74).

Nações Unidas (1992). Convenção sobre a Diversidade Biológica. Rio de Janeiro. Ratificada por Portugal, pelo Dec. Lei n.º 21/93 (D.R. n.º 143, Série I, 21 de junho), tendo entrado em vigor a 21 de março de 1994

 

4 comentários:

  1. Caro Colega:

    Ótima reflexão sobre os valores da biodiversidade. Agradeço por ter compartilhado!

    Aproveito que abordou sobre a biopirataria para apresentar brevemente um pouco da realidade do Brasil diante desta importante ameaça não só para a biodiversidade dos recursos naturais como para a justiça frente aos conhecimentos tradicionais.

    Desde o descobrimento do Brasil até a atualidade, há interesse se países estrangeiros nos recursos naturais brasileiros. Além do envio de recursos para o estrangeiro, destaca-se a utilização do conhecimento tradicional sobre o manejo desses recursos. Maia & Ipiranga (2012) consideram que uma das características da chamada “biopirataria” é a utilização ilegal de conhecimentos tradicionais ou de recursos naturais sem o pagamento ou reconhecimento de quem detém sua posse, e para MMA (n.d. a), o uso das patentes muitas vezes agrava essa apropriação indevida e injusta. Citando Schmidlehner (2003), “as patentes sobre formas de vida devem ser rejeitadas e o conceito de propriedade intelectual em si precisa ser reavaliado”.

    Entre muitos, alguns exemplos podem ser citados:

    • A patente do Açaí, fruta tradicional da região norte do Brasil patenteada por uma empresa japonesa chamada K.K Evyla Corporation, em 2003 (Maia & Ipiranga, 2012)
    • Entre o final do século XIX e o inicio do século XX, o Brasil passou pelo Ciclo da Borracha, com a expansão produtiva dessa matéria prima, especialmente no Norte do país. O declínio desse ciclo foi o resultado do plantio (realizado por ingleses) de seringais em países asiáticos e africanos com sementes retiradas da floresta amazônica (Maia & Ipiranga, 2012).
    • Utilização do sapo kambô por empresas farmacêuticas para a criação de anti-inflamatórios (Beech, 2010).
    • Em 2012, a equipe de fiscalização do IBAMA analisou 35 empresas que estavam em desconformidae com a normativa nacional, resultando em 220 autos de infração. Destas empresas, maioria multinacional e dos ramos farmacêutico e cosmético, grande parte foi autuada por não repartir os benefícios oriundos da exploração econômica de espécies da biodiversidade brasileira (MMA, 2012).

    No Brasil, o Governo Federal e o Ministério do Meio Ambiente realizam uma fiscalização permanente em aeroportos, portos, remessas de material biológico pelos correios, operações contra traficantes de material biológicos, entre outras iniciativas visando o combate à biopirataria (MMA n.d. b).

    Por outro lado, Maia & Ipiranga (2012) ressaltam que além do aumento da fiscalização e das políticas que defendam o meio ambiente, é preciso que a sociedade pressione o governo para criar legislação específica, de forma que sejam acrescentados artigos que incluam a biopirataria como um crime.

    Considerando que a “biopirataria é o nome dado popularmente ao acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado” (MMA, 2012), concluo que é necessário que o combate à biopirataria seja realizado por meio de uma estratégia abrangente, que contemple diversas frentes de ação, como a elaboração de leis específicas, fiscalização intensa, melhorias nos processos de divulgação da informação, fomento à participação, valorização do conhecimento tradicional, inovadoras formas de manejo, entre outras.

    Um abraço,
    Marília


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  2. Referências Bibliográficas

    Beech E 2010, Brazil to step up crackdown on "biopiracy" in 2011, acessado em 29 de março de 2013, http://www.reuters.com/article/2010/12/22/us-brazil-biopiracy-idUSTRE6BL37820101222

    Maia D & Ipiranga M L C 2012, Legislação ambiental é omissa em relação à biopirataria, acessado em 29 de março de 2013, http://www.conjur.com.br/2012-ago-22/legislacao-ambiental-brasileira-omissa-relacao-biopirataria

    MMA n.d. a, Biopirataria, acessado em 29 de março de 2013, http://www.mma.gov.br/patrimonio-genetico/biopirataria

    MMA n.d. b, Instrumento de Monitoramento, acessado em 29 de março de 2013, http://www.mma.gov.br/patrimonio-genetico/biopirataria/instrumento-de-monitoramento

    MMA 2012, Operação Novos Rumos II autua 35 empresas por exploração irregular da biodiversidade, acessado em 29 de março de 2013, http://www.ibama.gov.br/publicadas/operacao-novos-rumos-ii-autua-35-empresas-por-exploracao-irregular-da-biodiversidade-

    Schmidlehner M 2003, Cupuaçu – a case of amazonian self – assertion, acessado em 29 de março de 2013, http://www.grain.org/article/entries/369-cupuacu-a-case-of-amazonian-self-assertion

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  3. "A vida não é uma invenção. Invenções são patenteadas.
    Patentear a vida é fazer biopirataria." Vandana Shiva (ECOFEMINISTA)


    Caros colegas,

    também eu em seguimento da explanação fantástica do nosso colega Manuel, e do rumo da discussão tomado pela Marília, acabarei por dar uma breve "achega", bem sei que apenas devemos fazer um comentário aos colegas, mas não resisto ao rumo da discussão, que já vai de encontro às ameaças à biodiversidade (que iremos tratar a seguir)...

    A Convenção sobre Diversidade Biológica (com génese a partir da Conferência do Rio de Janeiro, 1992) e o Protocolo de Nagóia (negociado no Japão, 2010), são os documentos fundamentais que protegem os povos e a biodiversidade da biopirataria, e parece-me que marcam um avanço importante na proteção da biodiversidade no que respeita a esta ameaça. Destaco o trabalho que organizações têm vindo a efetuar na luta contra o fenómeno da biopirataria (muito do trabalho tem sido feito contra os interesses das grandes multinacionais), entre muitos exemplos, que eu poderia destacar refiro o exemplo da luta DB e do CAB:
    "Em 2008, a ONG Declaração de Berna e o Centro Africano de Biossegurança começaram uma batalha jurídica para denunciar as patentes da empresa alemã Schwabe sobre o Pelargonium, um gerânio sul-africano utilizado para curar várias doenças.
    Alguns elementos destas patentes eram contestáveis. Não respeitavam o consentimento prévio fundamentado e nem a justa repartição dos benefícios. Infringia então a CDB [Convenção sobre Diversidade Biológica].
    Também não respeitava o direito das patentes, porque as comunidades sul-africanas, especificamente a de Alice, utilizavam o Pelargonium há milênios, segundo o procedimento declarado como “invenção” pela empresa alemã. Não há novidade nem invenção. A denúncia foi apresentada à Oficina Europeia de Patentes, que reconheceu a falta de invenção e anulou a patente." (BIOPIRATARIE, 2013)

    Dou ainda a conhecer uma iniciativa promissora, que poderia ser utilizada como modelo em outros países: a Traditionnal knowledge Digital Library, o ambicioso projeto indiano de registro dos conhecimentos tradicionais.
    "Em 2001, as autoridades indianas começaram um projeto de grande importância para proteger os conhecimentos tradicionais frente a biopirataria. O objetivo da Biblioteca digital dos conhecimentos tradicionais é a realização de um inventário do conjunto de conhecimentos e usos tradicionais dos recursos biológicos indianos, tomando como base o conteúdo de vários livros escritos em idiomas locais.
    São registradas as características da planta, seu uso e a bibliografia. Logo é feita a tradução em cinco idiomas internacionais. O objetivo é dispor de um instrumento eficaz para provar a anterioridade dos conhecimentos tradicionais ao registrar patentes sobre processos existentes. Um trabalho ambicioso que permitiu a inscrição de conhecimentos tradicionais associados a mais de 200.000 recursos biológicos." (BIOPIRATERIE, 2013)

    Considerar a natureza como uma fonte de lucro pode ter consequências nefastas para o ambiente. Aonde as populações locais favorecem em geral a diversificação de culturas, as empresas privilegiam constantemente a monocultura, que é mais rentável. A monocultura favorece a diminuição da biodiversidade e perturba os ecossistemas que afetam fortemente o equilíbrio ambiental e os modos de vida das comunidades rurais ou indígenas... (tal vai, por ex, de encontro ao penúltimo parágrafo que deixei no comentário à Marília, onde referi a situação das mulheres “coletoras”)


    Referências bibliográficas:
    BIOPIRATERIE (2013). Portal da Biopirataria. Acedido a 07.04.2013, em http://www.biopiraterie.org

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  4. Caro Manuel Mestre
    -A discussão sobre a valorização da Biodiversidade conduz-nos, inevitavelmente, à constatação da sua extrema importância na produção de um futuro para o nosso planeta e, em particular, para a humanidade. Assim, no meu ver, essa discussão pode revelar-se inconsequente se não se tornar prospetiva, será no fundo, lançando mão de uma expressão da vox populi, “chover no molhado”. Quis com estas breves linhas introduzir a ideia de que, mais do que discutir valorização a reflexão sobre os valores que a ela presidem parece urgir.
    O Manuel expôs-nos, com clareza e precisão, o leque dos serviços que a Biodiversidade proporciona ao homem e que estão na base da sua valoração (económica). Este meu pequeno comentário visa, tão sómente, vincar a importância que me parece existir numa discussão centrada em valores éticos, que subjaz à valorização da Biodiversidade, a qual assente não exclusivamente na perspetiva economicista e antropocêntrica dos serviços, mas se estenda, antes à consideração da valorização intrínseca da natureza, que promova a inviolabilidade da vida, independentemente da espécie e, consequentemente, afaste as ameaças à Biodiversidade.
    Concluindo; os serviços que a Biodiversidade viabiliza são hoje a grande justificação para a sua preservação e conservação. Mas, e como já expendi em comentário recente no blog do colega João Fernandes, levanta-se a questão de saber se não estaremos a promover uma biodiversidade “desenhada” que não corresponde (já) à que a natureza construiu ao longo da história terrestre.

    Um abraço,
    Até já

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