sábado, 13 de abril de 2013


Biodiversidade (ameaças, continuação):

Cara docente, caros colegas:

O meu primeiro comentário sobre as ameaças á biodiversidade foi colocado no blog em virtude da calendarização inicial, que nos obrigava a fazê-lo numa data anterior. Como agora existe uma nova calendarização, recorri a alguma da bibliografia que a professora disponibilizou e vou ampliar o meu comentário, agora praticamente referente apenas a Portugal.

Várias são as dinâmicas que direta ou indiretamente contribuíram para a diminuição da biodiversidade em Portugal, quase todos já indicados na mensagem anterior. Contudo, Proença, 2009 (pp. 133 a 141) descreve a situação portuguesa de uma maneira muito peculiar, a seguir apresentada resumidamente. Convém dizer que grande parte das dinâmicas a referir são de origem antropogénica, o que atesta bem a importância das medidas corretoras para mitigar a depleção de recursos.

1.Dinâmicas diretas

1.1.Alterações ao uso do solo

No século XIX e na primeira metade do século XX, a área agrícola foi sucessivamente ampliada (Daveau, 2000, citado por Proença et al, 2009, pp.133 e 134) o que foi a principal causa de destruição do habitat natural. Esta destruição foi responsável pela afetação da diversidade biológica, principalmente ao nível dos predadores de topo que necessitam de condições especiais e grandes espaços intocados ou pouco intervencionados pelo homem. O conflito entre as populações rurais e aqueles predadores (lince ibérico, lobo, gato bravo, etc.) conduziu à destruição dos seus habitats. Por outro lado a desadequada política agrícola do Estado Novo nos primeiros cinquenta anos do século XX, com duas medidas que causaram o declínio rural de Portugal, principalmente a segunda e que foram as principais agentes para a litoralização do país: a Norte a florestação dos incultos de montanha e a Sul a chamada campanha do trigo, ambas responsáveis por profundas alterações e ao abandono da atividade agrícola. (Proença et al, 2009)

1.2.Florestas

Nos últimos anos temos assistido ao aumento da área florestal à base de espécies de crescimento rápido (eucalipto e pinheiro) favoráveis às indústrias de papel. Entre 1974 e 2001 o crescimento da floresta foi de 5,2% assente na expansão do eucalipto, que até 2001 teve um aumento de 174% e nesta data representava 21% da floresta nacional. (DGF, 2001, citado por Proença et al, 2009, p. 135). O eucalipto tem sido objeto de grande polémica no meio científico (e não só), mas não restam muitas dúvidas que as florestas de eucalipto diminuem a diversidade biológica. Basta observar o subcoberto vegetal que as acompanha.

1.3.Barragens

As barragens são obstáculos à biodiversidade. Podem contribuir para a destruição de habitats, funcionam como barreiras por vezes intransponíveis para as espécies migradoras (como o sável e a lampreia, entre outros), propiciam o florescimento de espécies invasoras e “cortam” o transporte de sedimentos para os estuários dos rios que são dos ecossistemas mais produtivos. Em Portugal há 900 barragens e estão projetadas dez (INAG, 2007, citado por Proença et al, 2009, p. 135). Contudo não podemos omitir que a instalação de barragens em zonas protegidas tem sido responsável pela degradação de valiosos ecossistemas, por muito importantes que elas sejam para o “desenvolvimento” da espécie humana.

1.4. Rede viária

A rede viária, importante para a mobilidade humana, é outro fator condicionante da diversidade, principalmente as autoestradas pois fragmentam os habitats naturais e afetam alguns grupos, como os invertebrados, anfíbios, répteis, aves e mamíferos (Ascensão e Mira, 2006, citado por Proença et al, 2009, p. 136). As estradas podem dispersar e isolar populações, num caso e noutro conduzindo à perda de diversidade e à inviabilidade e sustentabilidade das espécies. Por outro lado a mortalidade animal devido ao tráfego (atropelamento) constitui uma ameaça séria. A título de exemplo, poderia referir que o último lince ibérico de que há notícia na região de Moura foi atropelado na zona Safara/Sobral da Adiça há já alguns anos.

1.5. Os fogos

Ultimamente, os fogos têm contribuído para a destruição de vastas zonas do território nacional, com o consequente empobrecimento da diversidade. O abandono dos campos e o regime da monocultura do eucalipto e do pinheiro, espécies de alto poder combustível têm conduzido à delapidação do nosso património natural. Contudo deve referir-se que quando natural e controlado pode ser benéfico para a diversidade, criando condições para o desenvolvimento sustentável das espécies. (Proença et al, 2009)

1.6.Poluição

A poluição resultante da expansão das áreas urbanas, do desenvolvimento industrial e da utilização inadequadas do solo agrícola é, neste momento, um dos problemas mais significativos para a diversidade biológica. A poluição das águas superficiais é devida, principalmente, ao escoamento de excedentes agrícolas de rega bem como de descargas de efluentes domésticos e industriais que pode conduzir á eutrofização das águas e a outros problemas como a bioacumulação, que ao atingir concentrações elevadas nos organismos põe em risco a sua saúde. No nosso país são as águas interiores (bacias hidrográficas) as mais afetadas, o que é muito preocupante, pois estes locais são o habitat preferencial de algumas espécies com grande importância conservacionista. Também as águas costeiras estão sob forte ameaça, pois para além das fontes poluidoras já referidas podem ser afetadas pelos derrames de petróleo e abandono de plásticos e de outros detritos, que não só pioram a diversidade como a põem em causa a sobrevivência de muitas das espécies marinhas. (Proença et al, 2009, pp. 136 e 137)

Também a poluição do ar concorre negativamente para a biodiversidade, parecendo afetar mais as plantas que os animais, particularmente os organismos de complexidade reduzida, sendo nas áreas urbanas e densamente povoadas que a qualidade do ar atinge níveis preocupantes (IA, 2005, citado por Proença et al, 2009, p. 138)

1.7.Sobreexploração de recursos animais

A sobreexploração dos recursos (águas marítimas e interiores, áreas agrícolas e florestais) tem especial significado na diminuição da diversidade. Embora a diminuição do volume de pescado que Portugal tem concretizado ultimamente-9% entre 2000 e 2005 - (INE, 2003 e INE, 2005) a sobre pesca está a colocar em risco várias espécies capturadas em Portugal, como o tamboril, a pescada e o lagostim. Também nos estuários dos rios, as espécies migrantes entre água salgada e doce (diádromos) e nos rios se faz sentir este problema, quer pela sobre pesca quer pela alteração dos habitats. A caça, embora fortemente legislada e fiscalizada é objeto de furtividade e o envenenamento de animais e a captura de espécies protegidas também contribuiu para a delapidação de recursos. (Proença et al, 2009)

1.8.Espécies invasoras

Tal como acontece em todo o mundo, Portugal também sofre deste problema constituindo já um grave problema ambiental. As espécies invasoras (não nativas) são as que conseguem reproduzir-se num ambiente onde foram introduzidas, provocando, por vezes, alterações importantes nesse ambiente. (Mooney e Hobbs, 2000, citados por Proença et al, 2009, p. 139). Quatrocentas espécies de plantas foram introduzidas no nosso país, 27 das quais já são consideradas invasoras, enquanto nos animais se destacam o lagostim vermelho, a gambusia e a perca sol. (Proença, 2009). Lamentavelmente não são referidos por Proença o achigã que afeta os rios e barragens de quase todo o país há muitos anos e a perca-lúcio, um hibrido que recentemente tem uma cada vez mais acentuada presença na bacia do Guadiana.

2. Dinâmicas indiretas.

As dinâmicas indiretas não sendo menos importantes que as diretas, parecem à partida mais controláveis, não só por não afetarem diretamente os ecossistemas mas também por dependerem de políticas mais ou menos recentes, cujos efeitos podem ser interiorizadas e facilmente alteradas. As questões demográficas (as menos fáceis de inverter), a integração política regional de Portugal e as suas políticas comuns, bem como a alteração de valores culturais e fenómenos de consciencialização social, que sendo, estes últimos, processos lentos, podem todos ser causa de importantes alterações. (Proença et al, 2009, p.133)

Referência Bibliográfica:

Proença, V. et al. (2009) “Biodiversidade” pp. 127-179. In Ecossistemas e Bem-estar humano – Avaliação para Portugal do Millennium Ecosystem Assessment, Escolar Editora.

3 comentários:

  1. Caríssimo Manuel:

    Entre as dinâmicas diretas que contribuem para a diminuição da biodiversidade em Portugal citadas em sua postagem, Millennium (2005) apresenta uma análise sobre as diferentes tendências relacionadas aos impactos causados no século passado pelas espécies invasoras, poluição, sobre-exploração de recursos e mudanças no habitat que afetam regiões especificas globais. O impressionante é que apenas no caso dos impactos relacionados às alterações dos habitats das florestas temperadas é sinalizada a tendência à redução desses impactos.

    A sobre-exploração nas áreas marinhas e as alterações nos habitats das áreas costeiras e prados sofreram impactos muito fortes e os mesmos tentem a aumentar. A alteração de habitats nas águas interiores e florestas tropicais, a poluição nessas, nas áreas costeiras e nos prados são situações ainda mais graves, porque além de que o impacto ao longo do século passado foi considerado muito alto, a tendência é que esses impactos aumentem em um ritmo bastante acelerado (Millennium, 2005).

    Outra observação interessante é que na maioria das situações em que os impactos sobre a biodiversidade foram considerados de baixo grau durante o século passado, Millennium (2005) alerta para a tendência de que esses impactos aumentem rapidamente.

    De acordo com Jenkins & Pimm (2006 apud Cincotta et al, 2000), os hotspots – áreas com grande biodiversidade e que sofrem maior destruição de habitat são, em maioria, áreas densamente povoadas e também sujeitas a um intenso desenvolvimento econômico.

    Neste sentido, um De bom exemplo vem de Jenkins & Pimm (2006) ao destacar que no Brasil, é na Floresta Atlântica (uns dos 25 hotspots identificados), que a maioria das atividades econômicas se desenvolve e também é onde a maioria da população humana está presente, sendo esses grandes obstáculos para a conservação do pouco que resta dessas florestas.



    Jenkins C N & Pimm S L 2006, ‘Definindo Prioridades de Conservação em um Hotspot de Biodiversidade Global’, in Rocha C F D et al Biologia da Conservação – Essências, Rima, Ribeirão Preto.

    Millennium Ecosystem Assessment 2005, pp. 1-41. In Ecosystems and Human Well-being: Biodiversity Synthesis. World Resources Institute, Washington, D.C.

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  2. Carissimo Manuel

    Na sequência do post da Marilia, quero relevar o exemplo da região em que o Manuel habita como um de transformação de habitats pela introdução da agricultura, nomeadamente pela especialização agricola (monocultura).

    De fato, as muito conhecidas “campanhas cerealiferas” a que o nosso Alentejo foi submetido a partir dos anos 30 (mais precisamente a partir de 1929) por razões económicas, constuituiram-se como um tipo de agricultura em desacordo com os recursos naturais presentes. Este fato teve como consequência adicional problemas ambientais graves residentes na degradação dos solos que provocaram uma substancial alteração na sua qualidade, modificando assim habitats. A grande diminuição do montado que em função deste tipo de agricultura ocorreu provocou ainda a modificação do clima local, segundo escreve Ferreira (2001), e adianta ainda: “vastas regiões do Alentejo interior hoje completamente abandonadas, os condicionalismos ambientais criados pela degradação do solo prevalecem sobre os factores de natureza socioeconómica na dinâmica da paisagem.”. Segundo o Millenium Assessment (MEA) uma das principais razões para a perda de biodiversidade assenta na transformação dos habitats nomeadamente através da sua conversão para a agricultura, no caso vertente são, como vimos, foram preenchidas os requisitos, e, ao que parece (ver Ferreira 2001), o impato é tão grave que se deixam algumas zonas, sobretudo do interior no limite extremo da perda de biodiversidade, isto é: na eventualidade de processos de desertificação.

    Muitas vezes pode passar despercebido a observadores menos atentos ou inebriados pela profusão cromática de uma floresta tropical, o significado em termos de biodiversidade que o montado detem (embora já muito transformado em relação ao anterior ao inicio do sec XX), associando espécies únicas vegetais a uma riqueza de vida e genética com uma passado (longo) de adaptação a um habitat exigente. Por isso Manuel Mestre, aqui lhe deixo uma interrogação para a qual sei estar particularmente vocacionado e desperto. O Alqueva será no fundo uma ameaça à biodiversidade?

    Parabéns pelo seu bom post.

    Abraço
    Vitor Ascensão

    Bibliografia

    -Ferreira D.B. (2001), “Evolução da paisagem de montado no Alentejo interior ao longo do seculo XX: Dinâmica e incidências ambientais”, Finisterra XXXVI, 72, 200, pp 179-193

    -Millennium Ecosystem Assessment (MEA) (2005), “Ecosystems and Human Well-being: Biodiversity Synthesis” Washington, D.C., World Resources Institute.

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    1. Caro Vitor:

      Mandaste-me uma interessante mensagem sobre a “campanha do trigo” e de Alqueva, aspetos importantes dos últimos anos do meu Alentejo. Tentei perceber onde tinha ido parar o comentário em questão, mas para além do meu correio não o consigo encontrar em nenhum local. Agora depois de enviar esta mensagem vou ao meu blog (mais uma vez) a ver se o localizo.

      O problema do Alentejo começou, de facto com a chamada campanha do trigo. Não sei se poderia ter sido evitado mas mitigado com certeza que sim. Contudo a primeira e mais profunda "machadada" no ecossistema alentejano deu-se com o abate indiscriminado da floresta autóctone, com o abate de verdadeiros santuários reliquiais de sobreiros e principalmente de azinheiras, que foram dizimados para a mecanização dos amplos campos alentejanos preparando-os para a monocultura. Com esta prática a desertificação foi-se acentuando, a biodiversidade afetada e minguando e alguns dos nossos ex-libris foram desaparecendo (linces, aves carnívoras e outras, etc.). Quando abrimos os olhos e fomos postos perante a realidade já era um pouco tarde. Mas nem tudo está perdido, é preciso enfrentar as contrariedades e tentar reverter um pouco da situação. Hoje há bons exemplos de interessantes projetos que tentam recuperar alguma da diversidade perdida.

      A questão de Alqueva foi, para os alentejanos de importância capital. Não sei se sabes mas eu fui um dos alentejanos que lutei pela sua construção. Na qualidade de presidente da Associação de Defesa de Alqueva bati-me na região, no país e inclusivamente em Bruxelas por ela. Hoje, depois de ter pensado maduramente sobre o assunto e das leituras que tenho feito sobre as questões da sustentabilidade e outras já não tenho tantas certezas. Mas quero também dizer-te que ainda não vejo alternativas à sua construção. Numa região com graves problemas de falta de água pareceu-me (no passado) quase criminoso não aproveitar o manancial que corria para o mar (não conhecia a fundo os problemas da sedimentação, dos peixes migradores, etc.) e a ideia do atual Presidente da República, de Alqueva como uma "Reserva Estratégica de Água" como muitas outras antes desta, construíram a minha aguerrida militância em torno da construção da barragem. Será que é a solução para o Alentejo? Como te disse anteriormente ainda não vejo alternativas...
      Cumprimentos,
      Manuel Mestre

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