segunda-feira, 13 de maio de 2013


Conceitos, Critérios de Valorização e Ameaças á Geodiversidade

As áreas protegidas constituem cerca de 8% do território nacional. Oito delas são classificadas pelo seu valor geológico/geomorfológico, possuindo grande parte das áreas classificadas importantes referências geológicas, sendo o nosso país detentor de significativos aspetos geológicos diversificados e em muitos casos, únicos. Face a estas evidências deve reconhecer-se a geologia como uma importante referência nos critérios de definição de áreas e sítios protegidos, bem como conhecer, valorizar e divulgar o património geológico e ainda valorizar a geoconservação na prossecução do desenvolvimento sustentável a todos os níveis, mundial, regional, nacional, municipal e local. (Cunha, P., s.d)

Geodiversidade é um termo muito recente e pouco conhecido junto da comunidade, não tendo reconhecido o mesmo estatuto que o homólogo referente á vida e já estudado por nós nesta UC, a biodiversidade. De acordo com Gray (2004), citado por Brilha (2005), o termo surgiu na Conferência de Malvern sobre Conservação Geológica e Paisagística, que teve lugar no Reino Unido. Com aproximadamente uma dezena de anos, não admira que quer o termo quer o conceito não apresentem uma implantação clara, mesmo no que se refere à comunidade geológica. (Brilha, J.,2005)

Muitos autores têm tentado definir geodiversidade, particularmente oriundos da Europa e da Austrália, os continentes que lideram este tema. Contudo as suas versões não são coincidentes: para alguns a geodiversidade limita-se ao conjunto de rochas, minerais e fósseis enquanto para outros o conceito é muito mais lato, englobando também os seres vivos que sobre eles habitam. Uma definição suficientemente abrangente é a proposta pela Royal Society for Nature Conservation do Reino Unido: A geodiversidade consiste na variedade de ambientes geológicos, fenómenos e processos ativos que dão origem a paisagens, rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são o suporte de vida na terra. (Brilha, J.,2005)

Aceitando esta definição estamos a restringir a geodiversidade a partes não vivas do planeta Terra, mas não apenas aos testemunhos de um passado geológico (fósseis, minerais e rochas), alargando-o aos processos da natureza que acontecem agora naturalmente originando novos testemunhos. (Brilha, J.,2005)

Apesar de constituir um pequeno território, Portugal tem uma grande geodiversidade (a exemplo do que acontece com a biodiversidade). Mesmo os mais leigos podem distinguir as formações a norte e a sul bem como as litorais e as do interior. A norte geralmente formações mais antigas e elevadas, a sul mais modernas e menos altas enquanto as zonas litorais têm as suas características próprias com os extensos areais e as arribas (Brilha, J.,2005) algumas de grande importância ambiental como a duna fóssil da Costa da Caparica e as formações rochosas do litoral algarvio.

Também os territórios autónomos possuem características próprias: a Madeira com o seu relevo acidentado enquanto nos Açores o relevo é muito mais suave, marcado por acentuados acidentes vulcânicos. (Brilha, J.,2005)

A morfologia geológica do território continental português é formada por três conjuntos morfoestruturais principais: o maciço antigo ao longo de todo o interior do país (mais a norte que a sul), as orlas meso cenozoicas ocidental e meridional (ao longo da costa entre Lisboa e Aveiro aproximadamente) e a bacia cenozoica do Tejo-Sado (centrada naqueles dois rios). (Brilha, J.,2005)

Para proteger e conservar qualquer coisa é porque lhe reconhecemos algum valor ou por qualquer outro desiderato, qualquer que ele seja, que tenha que ver com o nosso passado, presente ou futuro ou que possa contribuir para compreender a complexidade do nosso viver em coletividade. Para o fazer em relação à geodiversidade é necessário definir os critérios que contribuam para lhe atribuir valor e interesse. Segundo os critérios de valorização da geodiversidade, adaptado de Gray, 2004, colocado na plataforma, temos:

1.Valor intrínseco: Refere-se ao valor que as coisas possam ter em si mesmo, para além da utilidade que possam ter para o Homem. Neste critério há uma dimensão ética e filosófica que obriga a uma análise no contexto mais vasto das relações Homem/Natureza.

2.Valor cultural: Folclóricos (calçada dos Gigantes) e Arqueológicos/históricos (Esculturas de Petra na Jordânia, infelizmente destruídas com o apoio de estruturas politicas).

3.Valor espiritual: Urulu (Austrália).

4.Sentido de lugar: Gibraltar.

5.Valor estético: Valor subjetivo e não passível de quantificação. Dizer que esta paisagem é mais bonita que aquela é de uma grande subjetividade, mas qualquer paisagem natural possui sempre um valor estético. (Brilha, J.,2005). Paisagens Locais, Geoturismo, Atividades de lazer, Apreciação remota, Atividades de voluntariado e Inspiração artística.

6.Valor económico: Este valor é facilmente compreensível e objetivo. Desde sempre (ou quase sempre) que o homem utilizou os materiais geológicos nesta perspetiva. Energia (petróleo, carvão e gás natural), minerais industriais, minerais radioativos, materiais de construção, pedras preciosas, fósseis, solos.

7.Valor funcional: Construção e suporte de infraestruturas, Armazenamento e reciclagem, Saúde, Incineração, Controle da poluição, Química da água, Funções do solo, Funções do geossistema, Funções do ecossistema.

8.Valor científico e educativo: Investigação científica, História da Terra, História da Ciência, Monitorização ambiental, Educação e formação.

Mas esta diversidade geológica encontra-se ameaçada, desde logo pela atividade humana. São múltiplos os exemplos que o provam. A maior parte dos materiais geológicos têm um aspeto de grande robustez o que á partida lhe confere uma aparência de resistência e durabilidade, apesar das ameaças a diversas escalas e em distintos graus, desde a degradação de extensas áreas paisagísticas á destruição de um pequeno afloramento. (Brilha, J.,2005)

Segundo este reputado professor, as principais ameaças que pairam sobre a geodiversidade são as seguintes:

1.Exploração de recursos geológicos que podem constituir uma dupla ameaça: ao nível da paisagem (as explorações a céu aberto afetam-na se não forem tomadas medidas minimizadoras) e ao nível dos afloramentos (a exploração indiscriminada pode consumir produtos geológicos de acrescentado valor científico ou outro).

2.Construção de obras e estruturas. Todas as infraestruturas trazem impactes negativos sobre a geodiversidade, pelo que é preciso prevê-los e fazer todos os esforços para minimizá-los.

3.Gestão das bacias hidrográficas. Algumas das bacias nacionais têm sido sujeitas a grandes intervenções (barragens, regularização de caudais, prevenção de cheias, etc.) que têm sido responsáveis por grandes impactes na geodiversidade.

4.Florestação, desflorestação e agricultura. A vegetação pode ocultar importantes vestígios e características geológicas importantes em termos científicos e pedagógicos. A desflorestação pode também ter efeitos negativos pois promove a erosão do solo, enquanto a agricultura, particularmente a intensiva e industrializada pode ser severamente negativa, devido á utilização de maquinaria pesada que leva á erosão do solo e ao uso intensificado de adubos e pesticidas que podem afetar a qualidade das águas (subterrâneas e superficiais).

5.Atividades militares. As atividades bélicas (quer de treino quer efetivas) ocorrem por vezes em zonas sensíveis, o que devido às grandes máquinas de guerra e aos bombardeamentos podem interferir na qualidade e erosão do solo e a inutilização de munições (detonadas ou abandonadas no terreno) podem também contribuir para a inutilidade do solo e das águas.

6.Atividades recreativas e turísticas. Estas atividades, especialmente as que se desenvolvem em ambientes naturais colocam grande pressão sobre a geodiversidade. A utilização de veículo todo o terreno em terrenos sensíveis pode romper o seu equilíbrio e promover a sua destruição. A visita a grutas e a promoção de escaladas podem ter efeitos negativos nestas estruturas frágeis. Os equipamentos turísticos, por exemplo campos de golf, também podem ser muito prejudiciais por serem estruturas que necessitam de elevadas quantidades de água.

7.Colheita de amostras geológicas para fins não científicos. Estes recursos (rochas, fósseis e minerais) que a todos pertencem são recursos não renováveis (á escala da vida humana). A sua recolha indiscriminada, sem nenhum controle e sem fins científicos constitui um grave ataque ao património coletivo da humanidade, uma vez que a sua formação é infinitamente inferior às possibilidades depletivas do homem. Quando as amostras são recolhidas para fins científicos, educativos ou museológicos pode aceitar-se a sua recolha. Convém também referir que nem todas as amostras á venda resultam de recolhas ilícitas pois muitas são apanhadas em frentes mineiras, onde seriam inevitavelmente destruídas. O que seria recomendável era exigir-se um código de ética profissional a quem transaciona estes produtos e um certificado de autenticidade de todas as amostras á venda no mercado.

8.Iliteracia cultural. As ameaças referidas anteriormente têm por base alguma iliteracia cultural, também ao mais alto nível (políticos, técnicos, decisores públicos e privados, etc.). Seria desejável, quando estes responsáveis tivessem que tomar qualquer decisão se rodeassem de especialistas nestas áreas, geólogos e outros conhecedores no sentido de evitarem atropelos ao geopatrimónio ou, no caso de as ações serem irreversíveis, minorassem o seu efeito sobre o mesmo.

Com pouco mais de uma centena de elementos químicos ao logo dos 4600 anos de vida da Terra, foram-se gerando 3500 espécies de minerais que originaram centenas de rochas diferentes. Estas são o substrato fundamental para o desenvolvimento de uma espantosa variedade de seres vivos – a biodiversidade. Restrita a partes não vivas do planeta, a geodiversidade pode ser considerada como a principal causa para a imensa variedade de sítios onde a vida apareceu e evoluiu. Os geólogos e outros especialistas concluíram, que ao longo da história da Terra ocorreram diversos acidentes geológicos que destruíram muitas espécies vegetais e animais. (Pereira. D. et. al, 2008) Estes acidentes á escala planetária foram determinantes na História da Terra e conduziram ao mundo tal como o conhecíamos há pouco mais de um século. Depois entrou em cena um novo e importante predador, o HOMEM, que tentou modelar o mundo mas fracassou, conduzindo o Planeta á borda de uma nova ordem, da qual desconhecemos o fim.

Referências Bibliográficas:

Brilha, J. (2005). Património Geológico e Conservação. A Conservação da Natureza na sua vertente geológica. Palimage, Imagem Palavra. Braga.

Critérios de valorização da geodiversidade. (adaptado de Gray, 2004) - Colocado na Plataforma;

Cunha, P. (s.d.). Relevância da geodiversidade e da geoconservação para o desenvolvimento sustentável. Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Universidade de Coimbra. Coimbra.

Pereira, D., Brilha, J., Pereira, P. (2008). Geodiversidade, valores e uso. Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Universidade do Minho. Braga.

1 comentário:

  1. Caro colega, apresentou um excelente contributo no âmbito da temática geodiversidade, felicito-o :).

    Uma vez que todos temos vindo a falar de geodiversidade, parece-me importante colocar uma pergunta: porque existe geodiversidade na Terra? É a enorme diversidade de elementos químicos que está na origem de variadíssimos minerais (atualmente são conhecidos aproximadamente 4000). Se os minerais se associam de forma natural uns aos outros, originam diversas rochas. Estas podem ser magmáticas, metamórficas e sedimentares, dependendo das condições em que se formam. Após a sua génese, as rochas podem ser deformadas e fraturadas pelas forças tectónicas, erodidas e meteorizadas por ação dos agentes de dinâmica externa, originando novas rochas e as formas de relevo da superfície terrestre, as quais constituem os diferentes tipos de paisagem geológica (Brilha, 2005).

    Portugal, embora apresente uma pequena dimensão regista uma geodiversidade assinalável. “A geomorfologia do território continental é marcada por três conjuntos morfo-estruturais principais: o maciço antigo [ou maciço hespérico], as orlas mesocenozoicas ocidental e meridional e a bacia cenozóica do Tejo e Sado” (Brilha, 2005). Os conjuntos identificados “resultam da ocorrência de rochas distintas, de diversas idades, que conferem às paisagens características particulares” (Ibidem.).

    A inventariação geológica do património português, efetuada por mais de 70 cientistas de universidades e associações e a Fundação para a Ciência e Tecnologia, tem relevância científica e estratégica, e identificou 326 locais com interesse científico fundamental para o conhecimento geológico de Portugal (CiênciaHoje, 2012). Alguns dos geo-sítios localizados apresentam risco de destruição por causa da inexistência de políticas adequadas de gestão. A título de exemplo, essa lista de geo-sítios inclui, o fojo das Pompas (Valongo), os blocos erráticos de Valdevez (Gerês), as minas da Borralha (Montalegre), os fósseis da Pereira do Valério (Arouca) e o inselberg de Monsanto (Idanha-a-Nova) (CiênciaHoje, 2012).

    José Brilha, em declarações ao Jornal de Ciência, Tecnologia e Empreendedorismo salienta que: “há locais que não devem ser destruídos, pois são importantes testemunhos científicos dos acontecimentos-chave que marcaram a história do planeta, nomeadamente do território português” (CiênciaHoje, 2012). Esta inventariação do património português, possibilita os instrumentos essenciais para a implementação de uma política de geoconservação em Portugal.


    Referências bibliográficas:

    Brilha, José. (2005) Património Geológico e Conservação: A Conservação da Natureza na sua Vertente Geológica. Braga: Palimage Editores. Disponível em http://www.dct.uminho.pt/docentes/pdfs/jb_livro.pdf. Acedido a 6 de Maio de 2013.

    CiênciaHoje (2012). Portal CiênciaHoje – Jornal de Ciência, Tecnologia e Empreendedorismo. Geologia: existem 326 locais com interesse científico fundamental-notícia de 02.03.2012. Acedido a 19.05.2013 em http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=53318&op=all

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